Por Alexandre Hecker . 27/2/2009
Nós, brasileiros em geral e a nossa imprensa, desde os menores até os grandes veículos de comunicação, repudiamos a atuação do Estado de Israel na guerra contra o Hamas, que martirizou a população de Gaza. Nada mais acertado. Entretanto, vivemos aqui, no Continente americano, uma outra guerra, igualmente reprochável e que deveria merecer o mesmo repúdio de outros conflitos. Refiro-me à guerra que os Estados Unidos da América do Norte deflagram cotidiana e obstinadamente contra Cuba, e que agora, com Obama, pode, talvez, conhecer amenização. É bem verdade que uma velha questão ideológica implícita na avaliação da ilha dos barbudos, e praticamente ausente no conflito do Oriente Médio, contribui decisivamente para embaralhar o entendimento dos papéis representados pelas personagens envolvidas e, assim, dificultar a tomada de posição em favor de Cuba. Há opinião generalizada contra o comunismo, que a ilha caribenha estampa como seu regime. Porém, hoje em dia, isto é apenas uma formalidade, vazia. Na verdade Cuba não é mais comunista, se é que foi em algum momento. Quer dizer, se entendemos comunismo como uma proposta humanitária do século XIX para constituir uma sociedade próspera e solidária, na qual uma perfeita integração entre os interesses individuais e coletivos se compusessem harmonicamente, é forçoso reconhecer que esta utopia permaneceu no “céu brumoso da vã filosofia”. Não apenas em Cuba, mas por todos os lugares onde invocaram seu nome. Por outro lado, se quisermos entender comunismo como um “socialismo realmente existente”, é possível afirmar que diversos tipos de regimes político-econômicos, entre si díspares e conflitantes, caberiam na identificação, tornando anódino o conceito. Portanto, por impropriedade do critério, temos que Cuba e comunismo não são de obrigatória sinonímia, como o senso comum avalia. Além disto, e de maneira dramática, um contato direto com as condições dos cidadãos cubanos, agora por ocasião da comemoração dos 50 anos de sua Revolução, joga por terra qualquer aproximação entre o conceito teórico de comunismo e a realidade vivenciada contemporaneamente naquele país. Em definitivo, Cuba não é um “país terrorista” como a passada administração norte-americana quis qualificar. Não há razão para temer as declarações grandiloquentes de Fidel Castro ou outros líderes que se autodenominam comunistas, mas cuja preocupação fundamental – e justificável – é proteger o país, é patriótica. Tanto assim que está espalhado por toda a Havana o dístico “Patria o muerte. Venceremos!”
O rol de situações e ocasiões reveladoras da penúria social é interminável. Convidado a ir à casa de uma colega, professora da Universidade, casada com um subdiretor da TV local, não apenas percebi que seria minha obrigação comprar o pão, o leite, o café, o queijo, a mortadela, enfim tudo o que fosse servido, como dela ouvi a solicitação – certamente muito constrangida, mas premida pela necessidade – de lhe comprar no mercado negro um litro de óleo. A sua libreta – uma caderneta onde se discriminam os produtos básicos distribuídos pelo Estado livremente a todos os cubanos – não havia sido suficiente para cobrir a alimentação do mês inteiro e o seu salário, aproximadamente duzentos reais, não oferecia “sobra” disponível. Não obstante a guerra, a sociedade cubana não apresenta altos índices de violência e, em relação ao nosso país, ostenta um padrão de saúde e educação invejáveis. Assim, o povo cubano é saudável, asseado, culto, criativo e sua música manifesta uma alegria atávica que cativa a todos. O Brasil do presidente Lula, e do ministro Celso Amorim, tem promovido avanços nas relações bilaterais com Cuba, mas ainda há muito por fazer. É possível negociar tecnologia na área petrolífera e para fabricação de lubrificantes, oferecer créditos para o fomento à venda de alimentos, tão necessários àquele país, ensinar-lhes a cultivar soja etc. São medidas não paternalistas que resultarão em benefícios mútuos e, certamente, contribuirão para que o Brasil não apenas consolide uma posição política de força na geopolítica latino-americana, mas contribua para solucionar uma injustiça internacional. 


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