Por Alexandre Hecker . 27/2/2009
sábado, 7 de março de 2009
Contra a guerra de Cuba ( 50 anos de socialismo ?? )
Cinco décadas após a Revolução de Fidel Castro, Cuba segue enfrentando dificuldades sob efeito do longo embargo norte-americano. Em uma viagem recente a Havana, o professor de história contemporânea Frederico Alexandre Hecker, de São Paulo, documentou cenas de um cotidiano marcado pela miséria, naquilo que restou de uma bela cidade que ainda sonha e resiste.
Nós, brasileiros em geral e a nossa imprensa, desde os menores até os grandes veículos de comunicação, repudiamos a atuação do Estado de Israel na guerra contra o Hamas, que martirizou a população de Gaza. Nada mais acertado. Entretanto, vivemos aqui, no Continente americano, uma outra guerra, igualmente reprochável e que deveria merecer o mesmo repúdio de outros conflitos. Refiro-me à guerra que os Estados Unidos da América do Norte deflagram cotidiana e obstinadamente contra Cuba, e que agora, com Obama, pode, talvez, conhecer amenização. É bem verdade que uma velha questão ideológica implícita na avaliação da ilha dos barbudos, e praticamente ausente no conflito do Oriente Médio, contribui decisivamente para embaralhar o entendimento dos papéis representados pelas personagens envolvidas e, assim, dificultar a tomada de posição em favor de Cuba. Há opinião generalizada contra o comunismo, que a ilha caribenha estampa como seu regime. Porém, hoje em dia, isto é apenas uma formalidade, vazia. Na verdade Cuba não é mais comunista, se é que foi em algum momento. Quer dizer, se entendemos comunismo como uma proposta humanitária do século XIX para constituir uma sociedade próspera e solidária, na qual uma perfeita integração entre os interesses individuais e coletivos se compusessem harmonicamente, é forçoso reconhecer que esta utopia permaneceu no “céu brumoso da vã filosofia”. Não apenas em Cuba, mas por todos os lugares onde invocaram seu nome. Por outro lado, se quisermos entender comunismo como um “socialismo realmente existente”, é possível afirmar que diversos tipos de regimes político-econômicos, entre si díspares e conflitantes, caberiam na identificação, tornando anódino o conceito. Portanto, por impropriedade do critério, temos que Cuba e comunismo não são de obrigatória sinonímia, como o senso comum avalia. Além disto, e de maneira dramática, um contato direto com as condições dos cidadãos cubanos, agora por ocasião da comemoração dos 50 anos de sua Revolução, joga por terra qualquer aproximação entre o conceito teórico de comunismo e a realidade vivenciada contemporaneamente naquele país. Em definitivo, Cuba não é um “país terrorista” como a passada administração norte-americana quis qualificar. Não há razão para temer as declarações grandiloquentes de Fidel Castro ou outros líderes que se autodenominam comunistas, mas cuja preocupação fundamental – e justificável – é proteger o país, é patriótica. Tanto assim que está espalhado por toda a Havana o dístico “Patria o muerte. Venceremos!”
Havana hoje é uma cidade em escombros, flagelada pelo “bombardeio” econômico cerceador dos Estados Unidos. Seus cidadãos, orgulhosos de suas conquistas sociais nas áreas da educação e da saúde pública, e altaneiros pela história de glórias revolucionárias conquistadas, não são muito mais do que favelados e maltrapilhos, carentes das mais comezinhas necessidades de consumo: sabão, óleo de cozinha, leite, roupas etc. Uma simples caminhada por Havana revela a deterioração dos prédios, públicos ou privados, nos quais o revestimento desabou em parte e a instalação elétrica está danificada. As ruas, com calçamento em decomposição, têm a sujeira e a desorganização imperando. As habitações, verdadeiros cortiços, em boa parte, carecem de iluminação por efeito da campanha de economia de eletricidade necessária para impedir o colapso total do sistema. Carros de museu, quase sempre com motores desregulados, provocam tal poluição que, mesmo para um paulistano acostumado a parar em congestionamentos, resulta em tremendo desconforto. Pormenores da vida social podem dar a conhecer a situação de penúria social generalizada: na biblioteca central da Universidade de Havana os banheiros, em estado de pré-demolição, constantemente não dispõem de água; o acesso aos poucos e lentos computadores disponíveis depende de longas filas que os alunos devem enfrentar para aproveitá-los; universitários fazem cursos apenas teóricos de, por exemplo, fotografia, pois não há máquinas para praticar; comumente as pessoas na rua, trabalhadores – não os mendigos, que não os há em Cuba – abordam os estrangeiros para pedir-lhes que lhes comprem leite ou farinha; a mais conhecida sorveteria da cidade, La Coppellia, um dos poucos passeios possíveis para o habitante de Havana além de ir ao cinema, baratíssimo, e de dançar em algum clube precário, serve um sorvete medíocre que, no entanto, é elevado à categoria de iguaria. Claro que há uma Cuba para turistas absolutamente alheios à condição do país e que são muito bem-vindos, pois constituem mais da metade do aporte de dinheiro para a ilha. Estes estrangeiros localizam-se em Varadero, nos Cayos e em outros lugares paradisíacos. O cubano quase nem tem contato com eles, a não ser os taxistas, os garçons e as prostitutas.
O rol de situações e ocasiões reveladoras da penúria social é interminável. Convidado a ir à casa de uma colega, professora da Universidade, casada com um subdiretor da TV local, não apenas percebi que seria minha obrigação comprar o pão, o leite, o café, o queijo, a mortadela, enfim tudo o que fosse servido, como dela ouvi a solicitação – certamente muito constrangida, mas premida pela necessidade – de lhe comprar no mercado negro um litro de óleo. A sua libreta – uma caderneta onde se discriminam os produtos básicos distribuídos pelo Estado livremente a todos os cubanos – não havia sido suficiente para cobrir a alimentação do mês inteiro e o seu salário, aproximadamente duzentos reais, não oferecia “sobra” disponível. Não obstante a guerra, a sociedade cubana não apresenta altos índices de violência e, em relação ao nosso país, ostenta um padrão de saúde e educação invejáveis. Assim, o povo cubano é saudável, asseado, culto, criativo e sua música manifesta uma alegria atávica que cativa a todos. O Brasil do presidente Lula, e do ministro Celso Amorim, tem promovido avanços nas relações bilaterais com Cuba, mas ainda há muito por fazer. É possível negociar tecnologia na área petrolífera e para fabricação de lubrificantes, oferecer créditos para o fomento à venda de alimentos, tão necessários àquele país, ensinar-lhes a cultivar soja etc. São medidas não paternalistas que resultarão em benefícios mútuos e, certamente, contribuirão para que o Brasil não apenas consolide uma posição política de força na geopolítica latino-americana, mas contribua para solucionar uma injustiça internacional.
Enquanto a América Latina, apesar dos pesares, vive um período de paz e progresso, os cubanos padecem na carestia. O primeiro passo que se pode dar para superar esta situação é conhecer sem rodeios a condição suportada pelo país, submetido há 50 anos a um absurdo bloqueio econômico. Depois, consequentemente, contar com a adesão veemente dos brasileiros para a promoção de mudanças fundamentais em nosso continente.
Fonte: ViaPolítica/O autor Frederico Alexandre Hecker, professor de história contemporânea da Unesp e do Mackenzie, é autor de Socialismo sociável: história da esquerda democrática em São Paulo – S. Paulo: Edunesp, 1998; Um socialismo possível: a trajetória de Antonio Piccarollo em São Paulo – S. Paulo: Queiroz Ed., 1989; e Revolução Russa: uma história em debate – S. Paulo: Expressão e Arte Ed., 2007.
Postado por Joélcio Pinto em 7.3.09
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